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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Montanhas, solidões, objectos todos,

Montanhas, solidões, objectos todos,

Ainda que assim eu tenha de morrer,

Revelai-me a vossa alma, isso que faz

Que se me gele a mente ao perceber

Que realmente existis e em verdade,

Que sois facto, existência, cousas, ser.

Quantos o sentem, quantos, ao ouvir-me

«Estou aqui» compreenderão

Íntima e inteiramente, ouvindo n'alma

A alma da minha voz?

                                  A expressão

Fez-se para o vulgar, para o banal.

A poesia torce-a e dilacera-a;

Mas isto que eu em vão impor-lhe quero

Transcende-lhe o poder e a sugestão.

Metáfora nem símbolo o exprime;

Desespero ao ouvir-me assim dizer

Isso que n'alma tenho. Sinto-o, sinto-o

E só falando não me compreendo.

No mais simples dos factos é que existe

O horror maior: nisto: que há existência.

Sentir isto, eis o horror que não tem nome!

Mas senti-lo a sentir, intimamente,

Não com anseios ou suspiros d'alma,

Mas com pavor supremo, com gelado

Inerte horror de desesperação.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 87.

1ª versão inc.: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p. 100).