Para se avaliar do mérito de um poeta, ou, aliás, de qualquer artista,
Para se avaliar do mérito de um poeta, ou, aliás, de qualquer artista, há três coisas que perguntar, sucessivamente: (1) que pretende ele exprimir? (2) de facto exprime o que pretende? (3) exprime só o que pretende? Se estas três circunstâncias se dão, pôde desde logo afirmar-se que o artista é um artista de mérito; o grau ou nível do mérito é outro assunto, mais difícil de provar ou definir, pois que na nossa opinião dele intervêm elementos individuais, intransmissíveis, como o gosto, a simpatia pelos temas tratados, e outros assim.
A primeira pergunta, disse, é esta: que pretende o artista exprimir? Não podemos culpar Cesário Verde de não ter o poder de pensamento de Antero de Quental, porque Cesário não o pretendia ter nem exprimir. Se, porém, determinado poeta, por igual destituído de capacidade filosófica e especulativa, tentar fazer poemas dessa natureza, legitimamente o culparemos de não ter tal capacidade, visto que pretende tê-la. E os versos desse poeta serão maus, desde logo, sem mais; ou pelo menos serão defeituosos em certo pormenor, que é esse.
Segue de aqui, corolariamente, que quem exprime de facto o que pretende - é a segunda pergunta - tem necessariamente mérito; pois, se exprime de facto o que pretende, é que pôde exprimi-lo; e, se pôde exprimi-lo, é que essa coisa está «certa» com a personalidade do expressor. O poema, ou obra, será «individual», haverá nela «personalidade».
A terceira pergunta, que fecha o ciclo, é esta: exprime o artista só o que pretende? É a pergunta aparentemente mais obscura de todas. Resume-se ela, porém, em se querer saber se à expressão do que se pretende exprimir se agrega matéria estranha, ou por dispensável para a expressão (…)
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
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