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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

[Carta a Armando Côrtes-Rodrigues - 4 Jan. 1915]

Lisboa, 4 de Janeiro de 1915.

               Meu caro Côrtes-Rodrigues:

Muito obrigado pela sua carta e pelas suas (escusadas) explicações. Eu não precisava de tanto. Bastava-me menos, porque felizmente vi que posso contar (e espero sempre poder contar) com a sua amizade, que altamente prezo, e sei que uma resposta negativa da sua parte representaria um caso de impossibilidade. O que lhe agradeço muito é o que o carácter íntimo das suas explicações (aliás, como já disse, escusadas) prova sobre a sua amizade.

Entristeceu-me muito o que me diz do seu actual estado de espírito. Mostra-o bem o soneto — deveras belo — que me mandou e que muito agradeço.

Por mim, o meu estado de espírito é mau. Dezembro foi uma noite de tempestade para mim. Nem cabeça tenho tido para escrever a alguém, mesmo à minha família. Quebro esse encantamento de depressão para lhe escrever hoje, e isto para que não faltasse em responder à sua carta.

Espero adquirir durante este mês aquela suficiente dose de serenidade que me permita escrever-lhe o milhão de coisas que tenho para lhe expor e contar. Espero poder mandar-lhe os poucos versos que tenho feito. Que, apesar de tudo, e através de tudo, trabalho sempre, produzo sempre. Mesmo nos pântanos do meu espírito há lótus que florescem.

Sim, para a minha carta próxima devo ter apanhado do chão dos meus propósitos a energia suficiente para lhe contar coisas e para lhe copiar versos.

Por ora, só isto e os meus agradecimentos.

Os meus cumprimentos a seu Pai, e para você um grande e amigo abraço do

                       sempre seu

               Fernando Pessoa

4-1-1915

Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues.

(Introdução de Joel Serrão.)Lisboa: Confluência, 1944 (3.ª ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1985).

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