O sensacionismo afirma, primeiro, o princípio da primordialidade da sensação...
O sensacionismo afirma, primeiro, o princípio da primordialidade da sensação — que a sensação é a única realidade para nós.
Partindo de aí, o sensacionismo nota as duas espécies de sensações que podemos ter — as sensações aparentemente vindas do exterior, e as sensações aparentemente vindas do interior. E constata que há uma terceira ordem de sensações resultantes do trabalho mental — as sensações do abstracto.
Perguntando qual o fim da arte, o sensacionismo constata que ele não pode ser a organização das sensações do exterior, porque esse é o fim da ciência; nem a organização das sensações vindas do interior, porque esse é o fim da filosofia; mas sim, portanto, a organização das sensações do abstracto. A arte é uma tentativa de criar uma realidade inteiramente diferente daquela que as sensações aparentemente do exterior e as sensações aparentemente do interior nos sugerem.
Mas a arte deve obedecer a condições de Realidade (isto é, deve produzir coisas que tenham, quanto possível, um ar concreto, visto que, sendo a arte criação, deve tentar produzir quanto possível uma impressão análoga à que as coisas exteriores produzem). A arte deve também obedecer a condições de Emoção porque deve produzir a impressão que os sentimentos exclusivamente interiores produzem, que é emocionar sem provocar à acção, os sentimentos de sonhos, entende-se, que são os sentimentos interiores no seu mais puro estado.
A arte, devendo reunir, pois, as três qualidades de Abstracção, Realidade e Emoção, não pode deixar de tomar consciência de si como sendo a concretização abstracta da emoção (a concretização emotiva da abstracção) .
Assim, a arte tem por assunto, não a realidade (de resto, não há realidade, mas apenas sensações artificialmente coordenadas), não a emoção (de resto, não há propriamente emoção, mas apenas sensações de emoção), mas a abstracção. Não a abstracção pura, que gera a metafísica, mas a abstracção criadora, a abstracção em movimento. Ao passo que a filosofia é estática, a arte é dinâmica; é mesmo essa a única diferença entre a arte e a filosofia.
Por concretização abstracta da emoção entendo que a emoção, para ter relevo, tem de ser dada como realidade, mas não realidade concreta, mas realidade abstracta. Por isso não considero artes a pintura, a escultura e a arquitectura, que pretendem concretizar a emoção no concreto. Há só três artes: a metafísica (que é uma arte), a literatura e a música. E talvez mesmo a música...
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
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