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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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António Mora

Uma sensação, ou um sentimento, é um movimento exclusivamente no tempo

A. Mora :

Uma sensação, ou um sentimento, é um movimento exclusivamente no tempo e não, como os movimentos na matéria menos subtil, no tempo e no espaço .

Uma sensação é um movimento porque é uma coisa que existe no tempo; nada pode existir no tempo sem se alterar, e alterar-se é mover-se.

Uma sensação, dir-se-á, não pode existir sem consciência, e um objecto material pode. Mas pode como? Pode existir sem a minha consciência dele, sim; mas sem a consciência dele não pode. Nem mesmo, porventura, pode existir sem uma consciência atómica de si .

De um lado a consciência, do outro os Números . Como é que uma sensação pode ser matéria? Temos ao menos que admitir uma consciência por fora, e outra por dentro, dos objectos. A consciência varia conforme os objectos, mas como é que varia de ver uma árvore a sentir uma dor?

Na sensação de uma dor, distingamos entre a consciência abstracta, a dor, e o lugar onde se sente.

A consciência que uma árvore e a que sente uma dor é a mesma; mas nem ver é o mesmo que sentir, nem uma dor se parece com uma árvore.

1º A dor não é sentida na e só pela consciência, mas no indivíduo. A vista não é vista na consciência, é no indivíduo que é.

Na dor, desde que omito a consciência, omito a dor; mas a consciência não é a dor, mas só a consciência; a dor não é portanto, nem exterior à consciência, porque se esta não houver não há a dor nem igual à consciência, porque consciência não quer dizer dor. O que é, então, a dor? No caso de eu ver uma árvore, se omitir a consciência, não omito a árvore, omito a visão.

A consciência de uma dor é como a consciência de ver uma árvore. Para além da visão concebo a árvore; para além da dor não concebo nada. Mas não concebo porque, aqui tomo conceber por = ver, a existir no espaço . Aí está o erro. A consciência da dor é a consciência de uma pura matéria, que existe no tempo, mas só no tempo .

Será a visão apenas a consciência da relação entre um corpo do tempo ( ver ) e um corpo do espaço ( árvore )? A árvore existe só no espaço ; a visão (visão da árvore, aqui) é que existe no tempo, mas só no tempo.

Poderá haver consciência da árvore sem consciência da visão? Poderá ver-se a árvore sem se ver? Poderá haver consciência, ver-se a árvore só no espaço, e não, também, no tempo?

Dir-se-á a árvore não existe só no espaço; existe no tempo também. Mas é a árvore que existe no tempo também, ou é só a visão que existe no tempo ; e a visão e árvore (a visão da árvore) no tempo e espaço ?

Se, porém, (como já foi pensado) tempo e espaço não existe, o que é isso?

Tempo, como espaço, têm de comum a pluralidade, que, no tempo, é duração (tempo + tempo + tempo + ¥ tempo) e no espaço é a extensão (espaço + espaço + espaço + ¥ espaço). Tempo e espaço, são, portanto números; mas ou são números de espécie diferente, ou simplesmente números, tomando-os todos diferentes.

(Tempo = Consciência da pluralidade)?

(Espaço = Existência da pluralidade)?

(Cor, forma, etc. = Semelhança entre números).

O tempo é a relação entre o espaço e a consciência. Antes : Extensão é a relação entre os números e a consciência, sendo na extensão denominada tempo do lado da consciência e espaço do lado dos números.

Como, porém, entre a consciência e o número não pode haver relação, segue-se que não há extensão, isto é, que não há tempo nem espaço.

Relação com a Lei (Fado).

A consciência não existe: é consciente. Os números não são conscientes: existem. As almas individuais são uma ilusão do Tempo; a alma colectiva é uma transferência da ideia falsa de alma individual para a ideia falsa de infinito.

O tempo e o espaço, considerados como tais abstractamente são ideias de infinito: portanto não existem.

A Realidade aparece à consciência como número, mas os números são talvez ilusões. E não são os números abstracções , finais do interlúdio ?

A consciência individual é uma função da Realidade.

De um lado a Realidade existindo; do outro, a consciência sendo consciente, sem existir. Entre estes dois termos sem semelhança aparece(m) a Relação, que nem existe, nem é consciente. Assim começou aquilo a que chamamos o Mundo.

Como imagem o sentiram os pagãos, pondo acima de tudo o indefinível Destino.

Antes do Destino, a Realidade na Realidade e a Consciência cônscia. Antes de Saturno a Realidade tornou-se número, e a Consciência (...).

Nascido Saturno, os números tornaram-se Espaço e a consciência Tempo.

                                *

Impossíveis de ser pensados como Um , porque não têm a mesma semelhança; como Dois (pois 2 é um número e nem a consciência é número, nem a realidade é número). A consciência e a Realidade são impensáveis, e do ponto de vista do pensamento, impossíveis.

1916?

Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.

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